terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Morreu o pai do fogo controlado em Portugal

Morreu José Joaquim Moreira da Silva, o pai do fogo controlado em Portugal27.12.2007
Ana Fernandes
Estava-se em 1978 e um homem bateu à porta de Oliveira Fernandes, professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. “Sou o director do Parque Nacional da Peneda-Gerês e preciso da sua ajuda: quero reconstruir uma casa da guarda florestal mas quero tirar partido das energias renováveis”, disse. Este homem, de seu nome José Moreira da Silva, viveu sempre assim: com décadas de avanço sobre o seu tempo. Morreu no dia de Natal e a floresta nacional perdeu quem sempre se recusou a só ver as árvores.A José Moreira da Silva deve-se quase tudo o que o país sabe hoje de fogo controlado. E muito do que agora se está a tentar fazer para defender a floresta contra incêndios já era por ele defendido há mais de 40 anos. "Foi um visionário", descreve quem o conheceu. Deixa um importante legado mas, sobretudo, "o que mais custa é perder alguém com a sua coerência e verticalidade, porque isso é o mais raro", diz Francisco Castro Rego, do Instituto Superior de Agronomia.Nascido a Dezembro de 1923 no Porto, licencia-se como engenheiro silvicultor em 1947. Dedica a sua vida aos serviços florestais, onde inova em várias frentes, como a criação das primeiras reservas de caça e de pesca e viveiros de plantas. De 1975 a 1980 lidera o Parque Nacional da Peneda-Gerês, onde se distingue novamente por um trabalho inovador.Ali promoveu cursos para operadores de máquinas florestais de forma a não destruírem sítios arqueológicos no Gerês. "Uma iniciativa que muitos vaticinaram votado ao fracasso porque diziam que os operadores não teriam sensibilidade para isso mas que afinal foi um sucesso tremendo que permitiu até que se descobrissem novos sítios", relata Francisco Rego.É também no Parque que começa a fazer as primeiras experiências de fogo controlado. Mas só anos mais tarde, quando estava na Circunscrição Florestal do Porto, é que esta ideia avança. Por carolice já que ninguém se interessou por isso. Com algumas excepções como Francisco Rego, que na altura estava na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, e Teresa Cabral, da Estação Florestal."Teve uma atitude pouco normal nos técnicos que foi a preocupação com as questões ecológicas: ele quis conhecer as consequências dos fogos controlados em todas as componentes do ecossistema e por isso andou à procura de pessoas que se encarregassem de estudar cada uma dessas componentes", diz Teresa Cabral. No último ano, Portugal aplicou esta técnica para defender a floresta contra as chamas. Tal como está a tentar pôr de pé instrumentos que Moreira da Silva defendia há muito.Em 1965, Moreira da Silva, Vasco Quintanilha e Ernâni José da Silva elaboraram o relatório Princípios Básicos de Luta contra Incêndios na Floresta Particular Portuguesa. Estava lá tudo. O diagnóstico - as monoculturas e desertificação rural conduziram ao desastre - e a solução: a redefinição da gestão florestal privada no minifúndio através da criação de polígonos florestais com dimensão para potenciar a sua correcta gestão (as actuais Zonas de Intervenção Florestal), o planeamento florestal e de infra-estruturas e a adopção de sistemas de prevenção e combate assentes na profissionalização dos seus agentes.Há 15 dias foi homenageado pelo Centro Nacional de Cultura, por iniciativa de Oliveira Fernandes, que nunca esqueceu a fabulosa visão deste engenheiro florestal. Já não assistiu, por estar internado no hospital onde foi operado a um tumor cerebral. Que acabou por vencê-lo. Fica a sua herança. E a dívida do país a um homem que deu a sua vida ao serviço público. Ecosfera

2 comentários:

  1. Nasci no PNPG. Por isso o artigo de Ana Fernandes sobre Moreira da Silva toca-me vivamente. Com excepção de uma pequena nota no Sol, que eu saiba, este artigo é a única referência a um profissional competente, modesto e íntegro do tipo que já não se encontra com frequência em cargos púlicos.
    Era um avisionário e, sendo-o, nada pediu para si e sempre pensou o bem colectivo e defendeu causas importantes. O seu saber,temperado de experência ganha em contacto com as populações que defendia, marcou uma época.
    Tive oprtunidade de na altura do seu passamento falar com amigos ligados ao Ambiete e questionado se o passamento de Moreira da Silva iria merecer uma manifestação de pesar institucional.A resposta foi: "Não" E este não, não foi por desconhecimento do Homm e da sua obra, mas porque nós, os Portugueses somos assim, deixamos que a história se faça por arrastamento como as dunas. Assim, o artigo aparece como um oásis de memória num deserto de esquecimento. Não conheci pessoalmente Moreira da Silva, como não conheci Lagrifa Mendes,figuras que se agigantam ainda hoje na memória das gentes do Parque, por serem homens que perseguiram um sonho e se anticiparam ao seu tempo, fazendo-o com a humildade de camponeses.Parabens Ana! manuelcruzfernandes@gmail.com

    ResponderExcluir
  2. Obrigado por partilhar estas pequenas palavras com a gente, instalei hoje uma nova funcionalidade para receber as ultimas no seu email se tiver conteudos que sejam do interesse do blog esteja a vontade para enviar.

    ResponderExcluir