29.12.2008,
Helena Geraldes
O Monte Mabu esconde plantas e animais ainda não identificados; vão ser recomendadas medidas de conservação às autoridades.Jonathan Timberlake pode considerar-se um homem com sorte. No Outono, este botânico britânico viveu três semanas num "paraíso perdido" no norte de Moçambique. O Monte Mabu esconde centenas de espécies, nem todas conhecidas. Três novas espécies de borboletas e uma de cobra foram uma surpresa desta expedição integrada no projecto Darwin, que visa identificar as áreas mais importantes para a conservação no sul do continente africano e ajudar a geri-las de forma sustentável.O Monte Mabu foi descoberto ao estilo do século XXI, ou seja, através do Google Earth. Em 2005, Julian Bayliss, cientista britânico dos Jardins Botânicos de Kew, procurava um possível projecto de conservação no Google Earth - mapa na Internet que permite ao utilizador ver imagens de satélite de qualquer ponto do planeta - quando descobriu aquele "bocado de verde" e decidiu ir conhecê-lo. Após as primeiras visitas, partiu de armas e bagagens para a que se crê ser a maior floresta tropical de média altitude (entre os 800 e os 1400 metros de altitude) do sul de África."Aparentemente, a existência de uma área florestal assim tão grande nas encostas do Monte Mabu ainda não tinha sido reconhecida e não temos conhecimento de colecções ou registos de plantas ou animais da zona", acrescentou Timberlake, também de Kew, que iderou uma expedição de 28 cientistas do Reino Unido, Moçambique, Malawi, Tanzânia e Suíça até ao Monte Mabu."Em Moçambique, estas florestas têm sido derrubadas para fins comerciais e de subsistência, nomeadamente para agricultura. Mas encontrámos a floresta do Monte Mabu relativamente virgem, com poucas perturbações", contou.A expedição"Partimos do Malawi em veículos com tracção às quatro rodas até uma antiga exploração de chá abandonada", contou Timberlake ao PÚBLICO. Mas a estrada acabava à entrada da floresta desconhecida. "Tivemos de continuar a pé. Durante três a cinco horas (dependendo da boa forma física!), atravessámos campos agrícolas e bosques com todo o equipamento e mantimentos, com a ajuda de 70 carregadores". As tendas foram montadas numa clareira no coração da floresta, durante três semanas."Demorámos algum tempo a avançar porque tivemos que abrir caminho. Nem sempre foi fácil", comentou. Assim se explica que só tenham estudado um quarto dos 700 hectares da floresta. "Avançar para o interior teria exigido muito mais tempo e o uso de 'campos satélite', porque demoraríamos mais de um dia para chegar a áreas mais distantes e voltar", explicou. O problema até nem era a distância, mas sim "o declive e a dificuldade do terreno".Mesmo assim, os cientistas - entre os quais membros do Instituto de Investigação Agronómica de Moçambique (IIAM), da Birdlife International e da Mulanji Mountain Conservation Trust (do Malawi) - encontraram uma biodiversidade surpreendentemente rica, com pequenos camaleões azuis e orquídeas raras. "A diversidade é desconcertante. É incrível ver como a vida se adaptou a pequenos nichos", comentou Timberlake.Os cerca de 500 espécimes de plantas recolhidos em Moçambique chegaram recentemente a Kew, onde e cinco botânicos estão a dividi-los em famílias para depois os identificar com maior detalhe. "Qualquer espécie que possa ser nova para a ciência será depois descrita"."Não conhecemos tudo"A equipa quer escrever um relatório com as descobertas de plantas, aves, borboletas, vegetação e outras espécies. Esse documento "deverá salientar a importância da área para a conservação e sugerir, em conjunto com os colegas de Moçambique, acções apropriadas para as autoridades". Depois de identificados, os espécimes serão distribuídos por Kew, Maputo e um herbário no Malawi.Para Timberlake, a descoberta do Monte Mabu "mostra que ainda não conhecemos tudo". Mas o Monte Mabu também nos alerta para o facto de ainda estarmos "muito longe de podermos garantir a sobrevivência dessas espécies".A extinção pode ser deliberada, "através da destruição do habitat por barragens, por estradas ou plantações", ou acidentalmente "porque simplesmente não sabíamos que ali existia algo que era 'especial'". In PÚBLICO