terça-feira, 22 de abril de 2008

Eucaliptos e pinheiros dispararam no último século

Foi publicada no Diário de Notícias de ontem - 21 Abril 08 - a reportagem que segue abaixo, no âmbito de uma série de trabalhos jornalísticos realizados pelo DN a pretexto do Dia Mundial da Terra. CÉU NEVES A área florestal passou de 1,9 milhões de hectares no século XIX para 3,5 milhões no século XX. É demasiado? Há quem defenda que sim e que o facto se deve a uma má avaliação da capacidade do solo nacional para uso agrícola. Mas está em minoria. Ambientalistas, produtores, industriais e peritos discordam, argumentando que o que falta é uma gestão da floresta nacional. O último Inventário Florestal Nacional (2005/2006) indica 3,412 milhões de hectares ocupados por espécies florestais, mais 300 mil hectares do que o terreno agrícola. A chamada floresta representa 38% do território, enquanto a agricultura se fica pelos 34%. A situação era diferente no início do século XX, além de que se passou a investir em eucaliptos, o que é mais rentável. Para o arquitecto Ribeiro Telles, o desinvestimento na agricultura teve por base uma "leitura simplista e directa" da Carta de Capacidade de Uso do Solo (SROA, ver caixa) de 1960. Esta teve como referência o trigo, esquecendo as culturas características da paisagem mediterrânica, como a vinha, o olival e os pomares. E, com o recuo da agricultura, desapareceram as economias agropecuárias de montanha e a população rural migrou. Pedro Ôchoa, engenheiro e professor no Instituto Superior de Agronomia, contrapõe que a Carta SROA deixou de ter sentido quando Portugal entrou para a UE. E a estratégia europeia é definida em termos da produção e do seu valor no mercado. A questão comercial fez com que se alterasse a paisagem portuguesa. O pinheiro-bravo e o eucalipto substituiu o carvalho, o sobreiro, a azinheira, o pinheiro-manso e o castanheiro. Mas é de realçar o aumento da produção de sobreiro registado no último inventário, a par da diminuição da de pinheiro-bravo e de eucalipto com graves problemas sociais, já que as afastou as pessoas das aldeias. Uma das explicações tem a ver com os apoios para o cultivo de árvores autóctones. "Não há floresta a mais porque muitos dos terrenos agrícolas não tinham qualidade, nomeadamente no Alentejo, onde os solos eram pobres e houve uma grande erosão quando se começou a investir no cultivo do trigo (anos 30). Agora, cometeram-se muitos exageros ao plantar eucalipto em todo o lado. O eucalipto não é de cá e, não sendo de cá, não existem as espécies que vivem à sua volta, além de que exige muita água", explica José Paulo Martins, da Quercus. "Portugal investiu em eucaliptos e muitíssimo bem. A necessidade de arborização vem dos finais do século XIX e o eucalipto vem resolver um problema de falta de arborização. Os proprietários viram que havia mercado (o País foi pioneiro na produção da pasta de papel), que as terras tinham um aproveitamento agrícola marginal e a cultura do eucalipto era uma resposta interessante para resolver o problema", argumenta Armando Góis, director-geral da Associação da Indústria Papeleira. Ricardo Jacinto, presidente da Federação dos Produtores Florestais de Portugal, sublinha: "O que faltou foi adaptar o antigo regime de subsistência, onde a floresta oferecia o mato e a resina. Tudo mudou. Temos vastas zonas sem aptidão económica no contexto actual do mercado, mais vocacionado para a produção da madeira e da cortiça. Mas é preciso conciliar com um esforço de gestão dos recursos que as espécies fornecem e que devem valorizar a regulação dos ciclos de águas." A falta de gestão dos espaços florestais é o principal problema levantado por todos os intervenientes, o que, dizem, deve ser fomentado pelo Governo e pelas associações. "A floresta tem de ser gerida de forma competente e segundo a realidade económica, cultural e social. Há um défice de aplicação das técnicas de florestação", diz Ôchoa. Mas a solução passa por contornar a estrutura fundiária nacional, baseada no minifúndio, sobretudo a norte do Tejo, o que dificulta uma intervenção mais global. Mais de 90% das florestas pertencem a privados, a maioria a donos de pequenas parcelas de terreno. Com tal estrutura, é difícil garantir a limpeza das florestas ou o tratamento dos prédios rústicos. O sector "bateu no fundo" em 2003, com o fogo a destruir 425 mil hectares de floresta. Vieram ao de cima os erros e foram accionados planos de prevenção a incêndios. Estes têm vindo a diminuir e, em 2007, arderam 31 mil hectares. Cautelosos, os técnicos alertam que só o futuro dirá qual o real impacto desses planos e se a principal razão dessa redução não terá sido as alterações climatéricas.|

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