sábado, 27 de dezembro de 2008

O Alentejo sem sobreiros é um deserto mesmo que as oliveiras os substituam

22.12.2008
No princípio dos anos 70 do século passado a produção de cortiça em Portugal atingia a média das 200 milhões de toneladas por novénio. No período que decorreu entre 1998 e 2006 foram recolhidas cerca de 89 milhões de toneladas.A brutal diferença é reveladora do declínio do montado que está a preocupar, como nunca, os produtores de cortiça que insistem em manter o sobreiro como a árvore mais emblemática da floresta mediterrânica.João Posser de Andrade, um dos fundadores da Confraria do Sobreiro e da Cortiça, associação criada para retirar "todo o interesse mesquinho do sobreiro e da cortiça", há muitos anos que se sente a bradar no deserto de ideias que marca o comportamento dos organismos oficiais, para que deixem a montanha de estudos elaborados ao longo de décadas produzir os seus efeitos."Já estamos cansados da sistemática ladaínha que promete mais investigação sobre as causas da morte do montado", insurge-se este produtor florestal que procura manter preservada a exploração de sobreiros com 660 hectares que possui em Alcácer do Sal. "O problema não está na falta de estudos, mas na sua utilização", prossegue Posser de Andrade, convencido que o sector da cortiça em Portugal está a viver "sob a pressão de uma plutocracia composta por cinco ou seis industriais, que manipula os dados e tem uma grande influência dentro dos ministérios".E ao que é que esta orientação con-duziu? À "monocultura" da rolha que tem condicionado a utilização da cortiça noutras áreas, nomeadamente em algumas tecnologias de ponta. E dá o seu próprio exemplo: "Da minha produção só 15 por cento é que é utilizada no fabrico de rolhas". O resto vai para o fabrico de granulado.O produtor de Alcácer do Sal descreve algumas utilizações alternativas para a cortiça, desde o fabrico da fuselagem e asas de aviões, de barcos de competição e até placas refractárias usadas no escudo térmi-co dos space shuttles. Na Alemanha uma empresa utiliza a cortiça no fabrico de calçado e dá emprego a 5000 pessoas, garante Posser de Andrade.As capacidades isolantes da cortiça são duradouras. Em Inglaterra há moradias que mantêm as paredes exteriores cobertas com cortiça que foi colocada há 150 anos.Outras utilizações haverá para a cortiça, se as investigações sobre as potencialidades que este produto natural fossem uma prioridade, sobretudo a sua componente química, onde alguns dos seus elementos poderiam ser utilizados na indústria farmacêutica. "Infelizmente nada es-tá a ser feito neste sentido", sustenta o produtor de Alcácer do Sal, que tem na sua exploração cerca de 180 mil quilos de cortiça à espera de comprador, depois de ter gasto 50 mil euros para a tirar das árvores.Mesmo assim não desiste de prosseguir na valorização do seu montado. "Este ano estrumei quase 100 hectares com um composto de resíduos sólidos de Setúbal, para equilibrar a vida microbiológica" que suporta o sobreiro, ao mesmo tempo que cobre as clareiras com novas árvores.Posser de Andrade acredita que é na destruição de certos micro-organismos provocada pelas gradagens excessivas e o elevado número de cabeças de gado por hectare que está a resposta para a morte de sobreiros que veio potenciar o aparecimento da Phytophtora cinnamomi, um fungo que ataca as raízes finas do sobreiro, infectando somente tecidos sãos. Como se não bastasse o pesadelo da Phytophtora, o produtor de Alcácer não consegue esconder a sua preocupação com as últimas informações que admitem uma redução de 30 por cento no preço da cortiça em 2009.Uma tão drástica desvalorização do preço da cortiça pode reforçar, ainda mais, a corrida à plantação do olival, uma cultura "de que tenho um medo terrível" pela salinização que causa nos solos, devido à adubação excessiva. Os agricultores, colocados perante tantos constrangimentos no que diz respeito ao montado, não hesitam em trocar um sobreiro por três ou quatro oliveiras. Se esta lógica prevalecer, "deve ser dito que o Alentejo sem sobreiros é um deserto", alerta João Posser de Andrade. Carlos DiasSem sobreiros, o Alentejo não será o mesmo, dizem os produtores. E nada está a ser feito para travar o declínio, acusam.

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