sexta-feira, 10 de abril de 2009

Trabalho escolar evita in extremis alastramento de planta infestante


Praga vegetal está à venda no país e já causou danos
10.04.2009 - 08h41 Ricardo Garcia
Ninguém estava à espera de que aquela simpática planta aquática, comprada num viveiro de Aljezur, se pudesse transformar num assustador problema ecológico. Mas quando deu por isso, José Ricardo, de 63 anos, tinha a pequena barragem da sua propriedade rural, em Odemira, de tal forma atafulhada por um espesso tapete verde, que já nem se via a água. "Os patos andavam ali como andam no chão", conta. E foi assim que, no final do ano passado, uma reconhecida praga vegetal que está a causar enormes prejuízos em países como a Austrália e os Estados Unidos fez a sua estreia em Portugal. Nove anos de vigência de uma lei que prometia pôr ordem na introdução de espécies exóticas no país não valeram de nada. Temos mais uma infestante. Chama-se Salvinia molesta e está à venda em supermercados, viveiros e lojas de produtos vegetais. É comercializada como planta ornamental, serve também para decorar aquários. Mas tem um brutal poder de multiplicação em lagos, albufeiras e rios, facilmente impedindo o seu uso para recreio, navegação e como fonte de água. Susana Caetano, de 17 anos, neta de José Ricardo, não fazia a menor ideia daqueles perigos, quando trouxe a planta para casa. Importada da Holanda, não há nada na sua embalagem que alerte para o facto de se tratar de uma espécie invasora. Introduzida na barragem, alastrou-se de forma imparável, formando uma camada sobre a qual ainda cresceram outras plantas. A jovem não ficou de braços cruzados. Levou o assunto para o premiado clube de ciências da Escola Secundária Dr. Manuel Candeias Gonçalves, em Odemira (ver caixa), onde faz o 12.º ano. E ali nasceu um projecto para se estudar uma solução para o problema. Susana e duas colegas - Vanessa Viegas e Ângela Mestre, de 18 anos - identificaram a planta através da Internet e descobriram os problemas que já causava em outros países. O projecto extravasou o âmbito escolar. A professora Paula Canha, coordenadora do clube de ciências, contactou um biólogo da Universidade de Lisboa, que confirmou os riscos de a planta se espalhar pela a bacia do rio Mira. Falta de meios Para avaliar o que fazer, reuniram-se várias entidades junto à barragem. Menos uma: o Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB). É ao ICNB que cabe, em primeiro lugar, preocupar-se com as espécies invasoras em Portugal. E a albufeira em causa estava dentro do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina. Mas o parque não tinha recursos para lidar com a questão e nem sequer enviou um técnico para ver o que se passava. "Não foi dada a atenção que se devia", reconhece Sandra Moutinho, porta-voz do ICNB. A Câmara Municipal de Odemira, que contactara um responsável do parque natural, estranhou a resposta. "Disseram-nos que não tinham meios para actuar, mas deram-nos luz verde [para resolver o problema]", diz José Alberto Guerreiro, vice-presidente da autarquia. "Esperava uma atitude mais actuante". Preocupada que a barragem pudesse transbordar no Inverno, espalhando a planta infestante, a câmara pôs mãos à obra. "Não olhámos nem a meios nem a custos", afirma José Alberto Guerreiro. Durante um mês, removeram mecanicamente as plantas da barragem. Hoje, estão a secar numa zona mais elevada da propriedade de José Ricardo, à espera de serem queimadas. Meses depois, ainda há ali plantas vivas. O caso também preocupou a Associação de Beneficiários do Mira, que alertou os cantoneiros de rega para informarem se avistassem a salvínia nos canais. "Se aparecesse algo, seriam os primeiros a notar", afirma a técnica Carla Lúcio. "Mas em águas correntes, a probabilidade é muito menor". As alunas fizeram ainda muito mais. Distribuíram pelo concelho cartazes e autocolantes, com uma foto da planta e uma explicação dos seus perigos. Visitaram todas as lojas que as pudessem estar a vender e falaram com os comerciantes. Entregaram a cada agrupamento escolar uma apresentação sobre o problema. Bomba ao retardador Hoje, a Salvinia molesta é tema de estudo nas escolas do concelho. "Tenho um primo que me disse que estava a fazer um trabalho sobre a planta", diz Vanessa Viegas.O trabalho não terminou. "Agora, estamos a monitorizar para ver se a planta reaparece", afirma Susana Caetano. Naquela pequena barragem, a situação parece estar controlada. Mas esteve a um passo do resultado oposto. A primeira sugestão que deram a José Ricardo foi abrir uma brecha no paredão da barragem, para deixar escoar a água e as plantas. "Teria sido o desastre total", avalia o biólogo Francisco Carrapiço, do Centro de Biologia Ambiental da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. De qualquer forma, a Salvinia molesta continua à venda e o que se passou em Odemira pode acontecer a qualquer momento em outro ponto do território. "Com a planta espalhada por todo o país, é uma bomba ao retardador", diz Francisco Carrapiço. ICNB quer agora proibir a venda da salvínia O ICNB começou por não ligar muito à nova infestante identificada em Odemira, num parque natural. Mas agora quer proibir a venda da Salvina molesta em Portugal. A salvínia deverá ser incluída na lista das espécies invasoras ou de risco ecológico conhecido, numa revisão em curso da lei aprovada em 1999 para o controlo da introdução de animais e plantas exóticas em Portugal. A espécie ainda não figura no novo texto da lei que está em consulta pública há poucos meses, apesar de o ICNB ter sido alertado em Outubro. Mas será adicionado, segundo Sandra Moutinho, porta-voz do instituto. A legislação proíbe o cultivo, a criação, a detenção, a compra, a venda e o transporte das espécies constantes daquela lista. Por ora, a venda da salvínia é legal. Este facto, aliado à falta de familiaridade com a planta, pesou para que o ICNB não tenha prestado a devida atenção ao caso de Odemira, diz Sandra Moutinho. A legislação original previa a elaboração de um plano nacional para o controlo e erradicação de espécies invasoras não-indígenas já introduzidas no país. Até hoje, dez anos depois, este plano não existe. In Publico

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