SOL, 31-07-2009
Governo cede a pressões de ambientalistas e corticeiras
Governo cede a pressões de ambientalistas e corticeiras Executivo preparava-se para introduzir deferimento tácito para pedidos de abate sempre que autoridades não se pronunciassem ao fim de 35
JOÃO PAULO MADEIRA joao.madeira@sol.pt
TÂNIA FERREIRA tania.ferreira@sol.pt
UMA MUDANÇA 'drástica' estava para a acontecer em breve no sector das florestas: o abate automático de sobreiros e azinheiras, caso os serviços públicos não se pronunciassem sobre o corte ao fim de 35 dias.
A reviravolta no novo enquadramento legal de gestão das espécies florestais protegidas, que está a ser preparado pelo governo, aconteceu depois das críticas. Os alertas para que a medida não fosse em diante foram feitos pelas associações ambientalistas e pela indústria corticeira.
O governo vai criar um Código Florestal (CF) que integra e actualiza todo o normativo relacionado com a gestão florestal, actualmente disperso por cerca de 60 diplomas. A versão preliminar do novo pacote legislativo esteve em discussão pública até sexta-feira passada, 24 de Julho, e continha várias novidades quanto a prazos.
O diploma impunha à Autoridade Florestal Nacional (AFN), responsável pela gestão das áreas florestais, um prazo de 35 dias para resposta aos requerimentos que lhe fossem dirigidos. Se não houvesse resposta dentro do período estipulado, haveria lugar a um 'deferimento tácito' do pedido. Adicionalmente, eventuais entidades consultadas para pareceres tinham 20 dias para responder ao pedido.
O prazo de 35 dias aplicar-seia a todas as autorizações dependentes do organismo, mas as principais preocupações dos contestatários do novo regime eram as espécies protegidas. Uma das principais competências da AFN é autorizar o corte de sobreiros e azinheiras.
Quem ficaria a ganhar com esta alteração?
Promotores imobiliários, construção e turismo, acusam os opositores da medida. Grande parte das polémicas sobre abate de espécies protegidas tem ocorrido com novas obras em terrenos florestais (ver página ao lado). A generalização do deferimento tácito tomaria os procedimentos mais expeditos e as espécies protegidas ficariam mais desprotegidas, consideram, por exemplo, os ambientalistas. A Quercus foi uma das organizações que se manifestou contra a nova regra, em consulta pública. «Se não houvesse resposta de indeferimento naquele espaço de tempo, qualquer pedido de abate de espécies protegidas ficaria automaticamente autorizado», justificou ao SOL Domingos Patacho, dirigente da Quercus.
O SOL apurou junto de fontes da indústria que os actuais prazos de resposta da AFN a pedidos de corte de sobreiros superam os 35 dias. O período médio de resposta atinge os dois meses nas zonas de Ponte de Sôr, Coruche e Portalegre - que somam cerca de 60% do montado nacional. O mesmo período tem sido registado na faixa de Setúbal, Alcácer e Grândola, «onde existe hoje uma grande pressão imobiliária», lembra uma das fontes ouvidas. A Associação Portuguesa de Cortiça, presidida por António Amorim, também se manifestou contra a proposta de deferimento tácito. A APCOR fez ver à tutela que a alteração poderia ser negativa para os interesses da fileira.
Face aos protestos, o governo recuou. Em resposta ao SOL, fonte oficial do Ministério da Agricultura revelou que «da discussão pública resultaram alterações que vão ser incorporadas» na versão final do CF. A mesma fonte garantiu que, «por proposta das Organizações de Produtores Florestais e das Organizações Não Governamentais de Ambiente não haverá deferimento tácito no que diz respeito a estas espécies [sobreiros e azinheiras]
O ministério assegura que o CF foi criado «com os melhores propósitos», e que apenas se concluiu «poder ser ainda aperfeiçoado». Não indicou, contudo, quais os tempos médios de respostas da AFN, argumentando que «esta questão já não se coloca uma vez que, da consulta pública resultou a reposição do regime anterior». De acordo com a mesma fonte, a nova versão do CF entrou em processo legislativo na passada semana e deverá ser aprovada nos primeiros dias de Agosto, passando depois para a Presidência da República.
*com Ana Serafim
Novas regras
O novo Código Florestal também vai ter influência na gestão das espécies de crescimento rápido, como os eucaliptos. Os projectos de arborização destas espécies em áreas com mais de 350 hectares (ha) careciam, até agora, de um parecer das câmaras municipais ou de um estudo de avaliação de impacto ambiental, que a versão preliminar do novo código não prevê. Justificando esta mudança, o governo lembra que aquelas normas são prévias à aprovação dos Planos Regionais de Ordenamento Florestal (PROF) e da Estratégia Nacional das Florestas: «Nesta legislatura o pais mudou muito, no que se refere à organização e planeamento florestal». O Ministério da Agricultura refere que os PROF determinam o que se pode incrementar em cada território e «garantem unia floresta sustentável». A mesma fonte, sustenta ainda que essas intervenções carecem de Plano de Gestão Florestal (PGF)- Estes planos são obrigatórios para áreas acima dos 25 ha e para todas as intervenções, independentemente da área, que beneficiem de apoios públicos nacionais ou comunitários.
Investigação Portucale
A Herdade da Vagem Fresca, em Benavente, passou a estar na boca do mundo quando, em 2005, três ministros demissionários do governo de coligação PSD/CDS-PP assinaram um despacho conjunto que dava a um empreendimento turístico do Grupo Espírito Santo (GES) o estatuto de utilidade pública. O projecto seria desenvolvido pela Portucale - Sociedade de Desenvolvimento Agro-Turístico e implicava o abate de 2.600 sobreiros numa zona protegida. Foram interpostas providências cautelares pela Quercus e as autoridades judiciais iniciaram uma investigação ao casa Abel Pinheiro, ex-director financeiro do CDS-PP, é um dos 11 arguidos do processa que implica também administradores do GES e funcionários da Direcção-Geral das Florestas.
Nova Setúbal controversa
O PS também esteve envolvido num caso polémico de autorização de abates de espécies protegidas em períodos eleitorais. A um mês das eleições autárquicas de 2001, José Sócrates, então ministro do Ambiente, assinou um despacho conjunto com o Ministro da Agricultura, Capoulas Santos, que deu o estatuto de utilidade pública ao projecto Nova Setúbal, viabilizando o corte de 700 sobreiros.
Prisão origina abate
No início deste ano, o governo suspendeu o Plano Director Municipal de Almeirim para poder ser construído o novo Estabelecimento Prisional de Lisboa e Vale do Tejo num terreno de 42 hectares povoado por sobreiros. A área está integrada Herdade dos Gados, que pertence à Reserva Ecológica Nacional. A construção do novo estabelecimento prisional implica o abate de 1.430 árvores.
Parque de feiras em Tortosendo
A instalação do novo Parque de Feiras de São Miguel, em Tortosendo. próximo da Covilhã, gerou contestação, no ano passado. O projecto implicava o abate de um povoamento florestal com pinheiros e sobreiros e o corte começou sem que tivesse sido autorizado. Com uma queixa da Quercus, foi mobilizado o Serviço de Protecção da Natureza e Ambiente da GNR, que detectou o abate ilegal.
Azinheiras dão lugar a oliveiras
O abate de espécies protegidas não está apenas relacionado com a construção de infra-estruturas. No ano passado, foram abatidas mais de mil azinheiras adultas na herdade da ínsua, no concelho de Serpa, pertencente à empresa espanhola Eurocompetência. O objectivo do corte era a plantação de um olival intensivo, uma alteração de uso do solo que não havia sido autorizada.
Zona industrial em floresta
A instalação de uma zona industrial na freguesia de Vilarinho do Bairro, no concelho de Anadia, não foi pacífica. A área estava inserida na Reserva Ecológica Nacional e continha povoamentos de pinhal, eucaliptal e sobreiros, não tendo sido emitida autorização para o abate das árvores. O Tribunal Administrativo de Viseu embargou a obra, por não terem sido cumpridas as normas legais.
Aeródromo em Ponte de Sôr
A Quercus denunciou, em Janeiro deste ano, que as obras de expansão do aeródromo de Ponte de Sôr estava a ser feito com recurso ao abate 'ilegal' de sobreiros, azinheiras, oliveiras e pinheiros. Segundo a associação ambientalista, a Autoridade Florestal Nacional não havia autorizado o corte das árvores e o empreendimento não tinha a necessária declaração de interesse público.
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